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[Análise] “M – O Vampiro de Düsseldorf” (1931)

Em 1931, Fritz Lang lançou M – O Vampiro de Düsseldorf, um ícone do Expressionismo Alemão e um dos filmes mais impactantes da história do cinema.

Ao contrário do que o título pode sugerir à primeira vista, não estamos diante de um monstro folclórico que suga o sangue de suas vítimas, mas de algo ainda mais perturbador: um assassino de crianças que encontra prazer mórbido e doentio em seu ato. Lang nos entrega não apenas um thriller de investigação, mas um estudo psicológico poderoso sobre a mente criminosa e sobre uma sociedade doente, tentando entender como lidar com o horror dentro de suas próprias fronteiras.

O filme é considerado um dos precursores do cinema moderno de investigação, antecipando elementos narrativos e estilísticos que se tornariam essenciais ao gênero noir e ao thriller policial. No entanto, M carrega consigo algo que muitos dos filmes posteriores não teriam com tanta intensidade: a carga social e política de uma Alemanha que ainda tentava se reerguer dos escombros da Primeira Guerra Mundial e da Grande Depressão. A República de Weimar, jovem e instável, começava a dar sinais de colapso, criando o ambiente propício para o avanço do extremismo e do autoritarismo que culminariam na maior calamidade do mundo moderno. Esse sentimento de medo, desconfiança e desespero permeia o filme, transformando-o em um documento histórico sobre a psique coletiva de uma nação à beira do abismo.

Sempre fui fã de filmes de investigação e de narrativas envolvendo serial killers, termo que só surgiria oficialmente quatro décadas depois do lançamento do filme. Mesmo sem essa terminologia, M já delineava com precisão muitos dos comportamentos e motivações que posteriormente seriam estudados na criminologia. A interpretação magistral de Peter Lorre no papel do assassino Hans Beckert confere à obra um peso psicológico imenso. Diferente dos vilões caricatos ou friamente calculistas que o cinema policial apresentaria nos anos seguintes, Lorre constrói um personagem frágil, atormentado por impulsos que ele próprio não consegue controlar. Sua performance no icônico monólogo do julgamento — onde ele se desespera tentando justificar seus atos, alegando ser vítima de sua própria compulsão — é uma das cenas mais marcantes do cinema.

Tecnicamente, o filme é um espetáculo. O trabalho de luz e sombra, característico do Expressionismo Alemão, é usado de forma brilhante para intensificar a atmosfera opressiva. Além disso, M foi o primeiro filme sonorizado de Fritz Lang, e o diretor soube explorar essa novidade de maneira inovadora. O uso da trilha sonora não é excessivo, e a ausência de música em certas cenas contribui para o suspense. Mas quando a música aparece, ela o faz de maneira certeira. A escolha de In the Hall of the Mountain King, de Edvard Grieg, como marca registrada do assassino, é absolutamente genial. O tema musical, que começa de maneira sutil e vai ganhando um ritmo cada vez mais frenético, reflete perfeitamente a tensão crescente da trama e a mente inquieta do criminoso.

Outro aspecto fascinante do filme é sua abordagem da justiça e da moralidade. A cena do “tribunal dos criminosos”, onde a escória da cidade se reúne para julgar Beckert, levanta questões profundas sobre o papel da justiça formal e da vingança popular. Até que ponto o desejo de punir um monstro justifica a formação de um outro? Esse dilema ético faz de M um filme que permanece incrivelmente atual, levantando discussões que seguem pertinentes até hoje.

Recomendo M – O Vampiro de Düsseldorf a todos que apreciam filmes de investigação e suspense psicológico. Mais do que um marco do cinema, ele é um filme que transcende seu tempo, influenciando gerações de cineastas e continuando a provocar reflexões sobre crime, sociedade e a natureza do mal.

“M – O Vampiro de Düsseldorf” – 10/10

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