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[Análise] “O Corvo” (1994)

Em 1994, com meus 11 anos de idade, eu já nutria muitas paixões pela cultura pop. Uma delas era ler conteúdos sobre Cinema & TV. Naquela época, despontava uma revista que até hoje povoa as lembranças dos nerds da minha geração: a revista Herói. Foi lá que ouvi falar pela primeira vez num filme de estética gótica (mesmo sem saber muito o que isso significava) e que era marcado pela morte trágica do ator principal em seu set de filmagem, filho de um dos nomes mais conhecidos dos nossos tempos. O filme era “O Corvo” e o ator era Brandon Lee, filho do também prematuramente finado Bruce Lee. Lembro de ter ficado ansioso aguardando a chegada do filme às locadoras, afinal era assim que consumíamos conteúdo naqueles tempos. E logo da primeira vez que assisti, todas as expectativas foram satisfeitas… eu me deleitei com uma obra-prima.

Acervo pessoal

Recentemente, chegou aos streamings um remake do filme, lançado em 2024, que me deixou extremamente incomodado com sua péssima qualidade, o que me fez querer revisitar a obra original.

No vasto território dos filmes cult dos anos 90, poucos conseguem sustentar até os dias de hoje uma aura tão carregada de tragédia e lirismo como O Corvo (The Crow, 1994). Dirigido por Alex Proyas, o filme já nasceu envolto em uma névoa de fatalidade, com a morte prematura de seu protagonista durante as filmagens. Mas longe de ser apenas uma peça do macabro, O Corvo transcende o mero culto à sua lenda e se firma como um dos melhores exemplares do cinema gótico moderno.

Acervo pessoal

A trama, baseada na graphic novel de James O’Barr, é simples, mas profundamente simbólica. Eric Draven (Lee), um músico de rock, e sua noiva, Shelly, são brutalmente assassinados na véspera de seu casamento por uma gangue de sociopatas. Um ano depois, Eric retorna do mundo dos mortos, guiado por um corvo sobrenatural, para vingar-se um por um de seus algozes. Parece um enredo saído diretamente de um pesadelo alimentado por HQs e discos de The Cure – e, na verdade, é exatamente isso.

A estética do filme é um de seus trunfos mais imortais. Proyas constrói uma cidade permanentemente mergulhada em chuva e sombras, um cenário que parece extraído diretamente de um pesadelo noir, onde o neon piscante luta contra a escuridão. Cada quadro é uma pintura expressionista banhada em melancolia e fogo – uma mistura entre o sombrio e o poético que dialoga perfeitamente com a jornada de Eric Draven.

E se O Corvo tem uma alma, ela pertence a Brandon Lee. Sua performance é trágica, visceral, e, ironicamente, eternizada por um destino cruel que parece um espelho do próprio filme. Há uma dor genuína em sua atuação, um olhar que carrega o peso da perda e da fúria, e que transforma Eric Draven não apenas em um anti-herói, mas em uma força mitológica, um anjo vingador que dança entre a ternura e a brutalidade. Não há como assistir ao filme sem sentir um nó na garganta ao lembrar que Lee nunca veria o impacto de sua atuação. Cogitou-se, inclusive, que o filme não fosse concluído e lançado, mas a mãe do ator, Linda Emery, pediu que a memória de seu filho fosse eternizada neste papel marcante e imortal.

A trilha sonora, por sua vez, é um espetáculo à parte. The Cure, Nine Inch Nails, Stone Temple Pilots, Rage Against the Machine – é uma cápsula do tempo perfeita do rock alternativo e do industrial dos anos 90, dando ao filme uma pulsação rítmica que amplifica sua intensidade emocional. Cada faixa parece ter sido escolhida para mergulhar ainda mais o espectador na dor e na revolta de Eric Draven.

O que torna O Corvo mais do que apenas um thriller de vingança estilizado é seu coração pulsante de tragédia. Há um lirismo na forma como a história é contada, um senso de perda irreparável que permeia cada cena. A famosa frase “Não pode chover para sempre” encapsula a essência do filme: a dor pode parecer eterna, mas há uma promessa de redenção, ainda que venha banhada em sangue e sombras.

Trinta anos depois, O Corvo ainda resiste como uma joia sombria do cinema. É um conto de amor, perda e justiça, contado com uma estética gótica que continua a influenciar cineastas e fãs da cultura alternativa. Acima de tudo, é o testamento final de Brandon Lee, cuja vida foi interrompida cedo demais, mas cuja presença na tela nunca desaparecerá. O Corvo voa para além do tempo, imortal como a lenda que se tornou.

Ao longo dos anos, diversas tentativas foram feitas para dar continuidade à franquia, mas nenhuma conseguiu capturar a mesma essência do original. O Corvo: Cidade dos Anjos (1996), estrelado por Vincent Pérez, tentou replicar a fórmula, mas falhou em entregar o impacto emocional do primeiro filme. Outras sequências, como O Corvo: Salvação (2000) e O Corvo: Vingança Maldita (2005), caíram no esquecimento.

Em 2024, Bill Skarsgård tentou dar uma nova vida a Eric Draven sob as lentes de Rupert Sanders, como eu disse no início deste texto, mas parece que este personagem só poderia pertencer a um único ator e este cumpriu sua jornada num único filme. O filme de 2024 pode até ser motivo de uma outra resenha aqui no site, mas não terá o mesmo entusiasmo.

Parece que, assim como Eric Draven, a verdadeira alma de O Corvo não pode ser substituída.

“O Corvo” – 10/10

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